quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Políticas de Álcool e Drogas e o cartão 'Aliança pela Vida'


O vídeo acima refere-se ao programa ‘Aliança pela Vida’, desenvolvido pelo governo do Estado de Minas Gerais, um dos resultados do decreto assinado pelo governador Antonio Anastasia, determinando a aplicação de até 1% do orçamento de órgãos e secretarias do Estado que desenvolvem programas sociais em projetos de prevenção e combate às drogas. De acordo com o edital do ‘Aliança pela Vida’, foram selecionados 100 projetos sociais direcionados ao combate e ao uso de drogas e que receberão, cada um, o recurso de 70.000,00 reais por parte do governo estadual. Os projetos deveriam ser elaborados por pessoas jurídicas, de direito privado, sem fins lucrativos e conter ações educativas, culturais, esportivas, de capacitação, entre outras atividades preventivas e de tratamento contra o uso de drogas.
       Uma das ações do programa ‘Aliança pela Vida’, é ao nosso ver, problemática. Esta refere-se à disponibilidade de uma bolsa para a família do usuário de crack interná-lo em uma comunidade terapêutica conveniada com o governo estadual. A família tem acesso à esse recurso através do cartão ‘Aliança pela Vida’, já apelidado de ‘bolsa-crack’, que oferece o valor de 900,00 reais para a família, sendo 810,00 repassados diretamente para as comunidade terapêuticas (CT’s) e 90,00 destinados às despesas com transporte.
No entanto, vemos que essa ação do governo do Estado de Minas Gerais pauta a sua eficácia em dois parâmetro: o recurso à internação como modalidade terapêutica privilegiada de tratamento e a transferência da responsabilidade do uso do cartão para a família do usuário de crack. Estes dois parâmetros se reduzem à recusa da subjetividade do usuário de drogas por partir da premissa de que seu tratamento tem que se dar às margens da sociedade, uma vez que privilegia sua internação.
De certo modo, tal ação contraria o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, via Portaria GM n.816 de 30 de abril de 2002 e articulado com a política nacional de saúde mental, que criam os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) como tratamento. Este dispositivo tem como objetivo oferecer atendimento diário, em modalidades de tipo intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, cujo foco e planejamento terapêutico partem de uma perspectiva que visa reintegrar o usuário à sociedade e oferece condições de repouso e desintoxicação; cuidados aos familiares; ações de enfrentamento dos problemas em conjunto com a comunidade e a diminuição do estigma e preconceito do usuário através de medidas de cunho preventivo/educativo.
O CAPSad é um dos dispositivos que integram a rede dos serviços subtitutivos da política de saúde mental vigente, respaldada pela Lei Federal 10.216. Podemos afirmar, então, que o desenvolvimento de qualquer política pública em saúde mental, seja no âmbito municipal e/ou estadual, deve estar em conformidade com as diretrizes desta Lei e, consequentemente, com os princípios da Reforma Psiquiátrica.
Todavia, esta ação específica do projeto ‘Aliança pela Vida’ caminha em direção contrária às diretrizes dos serviços substitutivos em saúde mental. Esse projeto privilegia a internação como o melhor tratamento, desarticulando a reabilitação e reinserção social dos usuários. E temos que questionar a terapêutica oferecida por diversas Comunidades Terapêuticas: quais são projetos terapêuticos? Como pensam um fim de tratamento adequado? Como integram esses tratamentos com a reabilitação psicossocial?
Grande parte das comunidades terapêuticas do Brasil funciona como um sistema disciplinar, baseada na vida comunitária, na religiosidade e no trabalho como recursos terapêuticos. Segundo a Anvisa, órgão que, dentre outras funções, regulamenta o funcionamento das CT’s, o principal instrumento terapêutico utilizado nas comunidades terapêuticas deve ser somente a convivência entre os pares. Historicamente, as comunidades terapêuticas que hoje conhecemos tem em seus fundamentos os princípios do tratamento moral proposto por Pinel no início do século XIX, passando pela reforma que constituiu as colônias agrícolas até chegar ao modelo das comunidades terapêuticas consagradas por Maxwell Jones, na Inglaterra, em 1959.
Diante de tais questões referentes ao desenvolvimento de políticas de combate às drogas, a experiência de Portugal com a descriminalização das drogas mostra-se interessante para as políticas públicas. Em 2001, Portugal tornou-se o primeiro país europeu a abolir oficialmente  todas as sanções penais pela posse pessoal de drogas, sendo ainda legalmente proibida, mas não mais caracteriza-se como crime. Porém, se apanhado pela polícia, o usuário é encaminhado para uma “comissão de dissuasão”, composta por um psicólogo, um advogado e um assistente social, que avaliam a situação e recomendam tratamento ou multa. Os resultados dessa política são expressivas: entre 2001 e 2006, as mortes por overdose caíram de 400 para 290; o registro de pessoas infectadas pelo HIV por compartilhar seringas contaminadas passou de 2 mil para 1.400.
Em relação ao projeto do cartão ‘Aliança pela Vida’, há, sem dúvida, o discurso capitalista como pano de fundo. Basta apenas conjecturar a soma de recursos que os proprietários dessas comunidades terapêuticas irão receber, devido ao novo fôlego dado às CT’s através desse projeto.  De acordo com as palavras do governador no vídeo, a bolsa é uma inovação, uma ação pioneira. Porém, essa ideia de internação que gera lucros não é tão nova e/ou pioneira assim. Se nos remetemos à época em que os grandes hospícios faturavam com internações dos “doentes mentais”, antes da efetivação da Lei Federal 10.216, chegamos à conclusão que talvez sejam os mesmos setores da sociedade e das organizações por detrás dessa articulação política, a mesma intenção e o mesmo lucro almejado, porém com uma nova roupagem: “vamos combater as drogas!”, mas sem estabelecer um plano realmente terapêutico que leve em consideração a singularidade do sujeito e a integração do usuário à sociedade como um sujeito de direitos e deveres.
Portanto, essa ação do programa do governo estadual de Minas Gerais é um exemplo dos problemas causados pela descontinuidade das políticas públicas. Atualmente, ela ainda está em fase de implantação, restringindo-se apenas às cidades de Teófilo Otoni e Juiz de Fora, mas podemos até prever mudanças seríssimas no campo da saúde mental. Nossa maior preocupação é que com essas ações, os serviços substitutivos em saúde mental, especialmente os CAPSad, tornem-se apenas complementares aos serviços oferecidos pelas comunidades terapêuticas, retrocedendo, assim, anos na luta da Reforma Psiquiátrica.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Consórcio entre as Universidades do Sul/Sudeste de Minas Gerais



Em reunião realizada no dia 29 de agosto deste ano foi aprovado pelo Conselho Universitário (Consu) a adesão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) ao Consórcio das Universidades Federais do Sul-Sudeste de Minas Gerais. As discussões em torno da possibilidade de criação do consórcio foram iniciadas em julho de 2010 entre as universidades:  Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e Universidade Federal de Viçosa (UFV). A ideia surgiu inicialmente devido à proximidade geográfica entre as instituições que, segundo seus idealizadores, poderia favorecer a implantação de diversas ações em conjunto, que não seriam possíveis se realizadas por cada universidade de forma individual.

Após várias reuniões entre os reitores e representantes das citadas universidades, chegou-se à versão final do Plano de Desenvolvimento Institucional - PDIC - em 23 de maio de 2011, documento que norteia as decisões e ações institucionais, elaborado em conjunto pelas universidades e no qual são apontados os objetivos e metas para o período de 2011 a 2015.

No formato que vem sendo desenhado, trata-se de um projeto pioneiro no Brasil. A adesão ao consórcio é voluntária, podendo ser renunciada a qualquer momento, resguardando-se os acordos firmados. Acredita-se que a implementação desse projeto trará muitos benefícios tanto para a comunidade acadêmica quanto para toda a região em que se localizam as entidades consorciadas. Algumas ações esperadas correspondem à mobilidade estudantil; integração das comunidades; possibilidade de compartilhamento de laboratórios multiusos e integração de projetos de pesquisa e extensão.

Por ser um projeto sem precedentes, muitas dúvidas e questionamentos são suscitados. Uma das principais inquietações refere-se à preocupação com a preservação da identidade das universidades, pois chegou a ser veiculada a informação de que o projeto se trataria de uma fusão, criando a chamada “superuniversidade”. Entretanto, conforme ressalta do PDIC, cada universidade consorciada permanecerá com sua autonomia, conforme previsto no artigo 207 da Constituição Federal o qual pontua que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

O modelo propõe a criação de um Conselho Diretor composto pelos reitores das universidades consorciadas, que se revezarão na coordenação exercida pelo prazo de um ano, sendo a Secretaria Executiva deslocada a cada mudança de gestão.

No entanto, algumas dúvidas ainda permanecem, como por exemplo, a operacionalização da mobilidade estudantil e, certamente, muitos ajustes ainda serão necessários à medida que o projeto for sendo desenvolvido.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Saúde Mental e Direitos Humanos


As violações dos direitos humanos no campo da saúde mental não são uma novidade. Elas ainda persistem desde a criação dos primeiros hospícios, nos quais era comum a aplicação de castigos físicos aos internos (o chamado tratamento moral de Pinel). Já no século XX, podemos citar como exemplo a lobotomia e o eletrochoque. Hoje temos em discussão a ideia higienista de internação compulsória, que atribui à instância pública o poder de internar a pessoa sem o seu consentimento. Estas são algumas das razões que justificam a inclusão da temática dos direitos humanos em um dos eixos principais da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, que contribuiu para a importância de sua discussão no campo da saúde mental.

Mas quando nos referimos aos direitos humanos, do que estamos falando? A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento histórico promulgado em dezembro de 1948 pela então recém criada Organização das Nações Unidas, no qual define os direitos humanos fundamentais que devem ser universalmente protegidos pelas legislações dos países. São direitos inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis de todo cidadão. A Constituição Brasileira incorporou preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como visto no artigo 5 parágrafo III, afirmando que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

No Brasil, um grande passo dado para a efetivação dos direitos humanos no campo da saúde mental foi a Reforma Psiquiátrica. Ela opõe-se aos anos de violação dos direitos humanos básicos e maus tratos nas instituições manicomiais, e defende a reinserção dos sujeitos asilados à sociedade, através da prática de atenção à saúde mental que os considere como cidadãos de direitos e deveres.
   
Após 10 anos da promulgação da Lei Federal 10.216, que institui a nova política de saúde mental e ressalta o exercício da cidadania, ainda podemos considerar importante a criação de espaços de debates e reflexões das políticas públicas de saúde mental em interface com as recomendações da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que pressupõem a igualdade entre as pessoas e que deveriam protegê-las de ações institucionalizadas que ferem sua liberdade.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Expansão Universitária: o caso de um restaurante universitário



O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI - iniciado em 2003, tem como um dos objetivos promover ações para a ampliação ao acesso e à permanência na educação superior. Nesse contexto, o governo federal lançou diversas medidas que favoreceram o crescimento das Universidades Federais com subsidios para a expansão das mesmas em diferentes aspectos, do físico ao acadêmico. O prazo proposto pelo Ministério da Educação (MEC) para o comprimento dessas metas pelas universidades é 2012.

Esta política pública teve como um dos grandes impactos na universidade que aderiram a ela, o crescimento significativo do número de estudantes. Este fato gerou consequências para as cidades em que elas estão inseridas. As cidades do interior, de uma forma geral, não conseguiram acompanhar o crescimento de sua sua universidade. Podemos dar como exemplo,  questões como moradias, restaurantes, estacionamentos e transito.
Autores da Psicologia Ambiental, apontam que a noção de ambiente envolve as pessoas, os objetos e os lugares frequentados por indivídos em múltiplos contextos. Nessa perspectiva, podemos considerar que o ambiente afeta as pessoas tanto por suas características sociais, que incluem seus significados e seus valores, quanto por suas características físicas, que incluem infraestrutura do espaço.

O REUNI foi instituído pelo decreto número 6.096, datado de 24 de abril de 2007, que explicita as diretrizes para o processo de expansão universitária ao nível de graduação destacando questões como: a redução da taxa de evasão, o aumento do número de vagas, o preenchimento das vagas ociosas; a revisão e a reestruturação da estrutura acadêmica; o investimento nas políticas de inclusão e assistência estudantil, entre outras. Todas essas questões tem como objetivo declarado elevar a qualidade do ensino.

Com a adesão ao REUNI em 2008,  a Universidade Federal de São João del Rei, (UFSJ) obteve verba para a construção de um restaurante universitário (RU). A cidade de São João del Rei, possui três campi, o Campus Santo Antônio (CSA), o Campus Dom Bosco (CDB) e o Campus Tancredo Neves (CTAN). O primeiro localizado no centro da cidade, o segundo a 2,6 quilômetros desse, e o terceiro a 5,2 quilômetros. Cabe destacar que a UFSJ não possui ainda restaurante universitário, sendo que o primeiro será instalado no CTAN que se localiza em perímetro rural.

Pensando na questão da mobilidade, um grupo de alunos do Departamento de Psicologia da UFSJ realizou uma pesquisa com objetivo de fazer um levantamento das opiniões dos estudantes dos campi Santo Antonio e Dom Bosco em relação à instalação do RU no Campus CTAN. Entre os fenômenos levantados pela pesquisa foi questionado se os estudantes da UFSJ consideram importante a universidade possuir um restaurante universitário e que fatores levariam ou não esses estudantes a se dirigirem até esse restaurante para fazerem suas refeições. Os resultados apontaram que 62% dos alunos não concordam com a construção do RU no CTAN, 31,5% concordam, 4,8% não deram opinião e 1,7% se posicionaram como indiferentes.

A construção do RU é uma tentativa da instituição de oferecer uma melhor qualidade de vida aos alunos, incluindo a oferta de uma refeição mais balanceada, além da possibilidade de trocas sociais. As respostas obtidas permitem destacar a importância de fatores relacionados ao ambiente físico que prejudicam, inclusive, a intenção de utilização do novo espaço pelos estudantes. O principal fator correlacionado aos questionamentos é a dificuldade de acesso e de mobilidade. Consideramos que a influência desse novo ambiente poderá trazer benefícios para a comunidade acadêmica, contudo, torna-se necessário um planejamento adequado para facilitar sua utilização. Na realidade, faz-se necessário um novo olhar sobre a distância do CTAN e sobre a questão do transporte na cidade de São João del-Rei.

Assim, o caso do RU da UFSJ nos permite refletir sobre o impacto das Políticas Públicas na vida das pessoas e das suas cidades. A adesão a uma política exige planejamento e estruturação necessárias para o seu sucesso.