terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Internação compulsória: política de saúde pública ou limpeza urbana?


Uma suposta epidemia de crack vem ganhando espaço na mídia brasileira atualmente. Nunca fomos tão bombardeados com imagens da ação policial nas cracolândias, a miséria das pessoas que abusam do crack e principalmente a discussão sobre a internação compulsória como “solução para o crack”. Ultrapassando o campo da discussão, tal medida já se tornou uma política pública em certos estados, como o Rio de Janeiro e São Paulo. Desse modo, a internação compulsória está sendo articulada como “o tratamento do usuário de crack”. A questão que colocamos é a seguinte: qual a eficácia de um tratamento realizado contra a vontade do paciente?

Antes de continuarmos com o questionamento, é preciso esclarecer a questão da internação no Brasil. Afinal, ela é permitida? A legislação vigente referente às internações psiquiátricas está definida, especificamente, no artigo 6º da Lei Federal nº 10.216/2001: “A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos”. 

De acordo com essa lei, são considerados três tipos de internação psiquiátrica: a internação voluntária, aquela que se dá com o consentimento do usuário; a internação involuntária, que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro e a internação compulsória, determinada pela Justiça. De modo incisivo, o artigo 4º estabelece que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.

Entretanto, o que vemos hoje é o não cumprimento dessas exigências legais. Ao invés da ordem de internação compulsória ser realizada por um juiz após análise do laudo médico, ela está sendo determinada pelo Poder Executivo, de forma massificada e antes da adoção de outras medidas extra-hospitalares.

Segundo Dartiu Xavier, médico psiquiatra da Unifesp e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), a internação é menos efetiva que o tratamento ambulatorial e que a taxa de sucesso é sempre inferior a 10%. Ainda de acordo com esse especialista, cerca de 75% a 80% de usuários de crack são usuários recreacionais, ou seja, não há o abuso ou dependência da droga. Essa estatística surpreende, uma vez que a imagem que se veicula na mídia é a situação precária e miserável “acarretada” pelo uso da droga.

Então, o que justifica o modo como a internação compulsória está sendo realizada no Brasil? Não há outra explicação senão a da limpeza urbana. Se a finalidade da internação das pessoas que abusam do crack não for a desintoxicação, por exemplo, não vemos outra alternativa para pensar que ela está sendo utilizada como uma medida higienista. De fato, essa medida não é novidade. Foucault já nos alertava desse dispositivo de ocultação da miséria vigente que ficou conhecido na Europa como a Grande Internação.

Políticas estão sendo desenvolvidas e dinheiro público está sendo gasto para encontrar uma maneira de “vencer a guerra contra o crack”, quando na verdade, o álcool ainda é o grande problema na questão sobre drogas no Brasil.

3 comentários:

  1. Como assim "suposta epidemia" ????????

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  2. É um equívoco falar em epidemia de crack, uma vez que não há dados que comprovem isso. O que se veicula midiaticamente é o problema visível do crack, no entanto, não justificaria falarmos em epidemia (incidência, em curto período de tempo, de grande número de casos de uma doença).

    E mais: a base do plano "Crack, É Possível Vencer" do governo federal é uma pesquisa encomendada, em maio de 2010, à Fundação Oswaldo Cruz. Entretanto, o relatório final ainda não está pronto. Ou seja, o governo ainda não tem conhecimento dos perfis dos usuários e nem da dinâmica da droga, e mesmo assim, desenvolve medidas extremas, como a internação compulsória, para "tratar do problema".

    Finalizo com a fala da organizadora do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), a pesquisadora da Unifesp Clarice Madruga, que diz: "Não temos dados – nem aqui e nem nenhum outro levantamento feito no Brasil atualmente – para afirmar que existe uma epidemia, pois seria necessário conhecimento histórico do uso. Temos só o número de usuários no momento e não sabemos se aumentou ou diminuiu nos últimos anos. Não temos uma série histórica que embase isso". (fonte: http://saudementalnauerj.blogspot.com.br/)

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  3. Uma outra observação, "epidemia" é um termo utilizado para doenças contagiosas, ou estou enganada?
    Não existe, por exemplo, uma endemia de crack, assim como existe endemia de dengue, portanto também não poderia existir uma epidemia do crack. É um termo usado erroneamente e de forma sensasionalista.
    Ótimo artigo.

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